Somos minimamente capazes de compreender o significado da palavra preconceito – sua etimologia já nos facilita o entendimento. Trata-se do “conceito prévio” que possuímos acerca de determinado tema ou situação, seja por preferência, seja por aversão. Como ilustração – a cor que represente certo partido político, nos suscita juízo de valor, a ponto de a evitarmos; pessoas maltrapilhas nos são indesejáveis, então preferimos manter distância; os homens são mais capazes que as mulheres para dirigir veículos, portanto, cuidado com elas!
Os preconceitos residem em nós sob variados aspectos, porém nem sempre somos capazes de percebê-los, pois se fixam como padrão do modo de pensar, e muitas vezes julgamos errados os que não consideram as coisas sob o mesmo ponto de vista. Admitir, ou mesmo reconhecer, que somos preconceituosos, nesse ou naquele aspecto, já é indício de avanço moral, desde que, indo além, se transfigure em via de mudanças de comportamento, benéficas para nós outros. Contudo, em geral temos uma barreira a vencer, o orgulho. Esse inimigo invisível convive conosco e muitas vezes torna inimaginável a disposição sincera de combater preconceitos confessos.
Nas narrativas evangélicas, à época de Jesus, encontramos nos fariseus o estereótipo de homens radicalmente preconceituosos. Agrilhoados às interpretações das escrituras, a maioria das vezes literais, dogmáticas, desvirtuadas e convenientes aos seus propósitos de demonstrar superioridade diante dos homens comuns, os “separados” – que é o significado do termo – carregavam em si mesmos um tribunal rigoroso, para julgar e condenar todos aqueles que não obedeciam aos preceitos que defendiam. Jesus foi inúmeras vezes incriminado por eles – por ter realizado curas aos sábados; por ter se alimentado, junto com os discípulos, sem antes observar o ritual de ablução com água; por almoçar com publicanos, que eram considerados pecadores pelos judeus.
Como se vê, preconceito é coisa antiga, faz parte da história e da ignorância da humanidade. Houve tempo em que mulheres não podiam votar, ou participar dos Jogos Olímpicos, assim como homens não deveriam cozinhar ou cuidar de bebês, pois eram atividades femininas; homens efeminados eram escrachados em qualquer grupo machista, com anedotas e adjetivos; em peso idêntico, mulheres com trejeitos masculinos serviam como alvo fácil em tais rodas. Até que ponto isso mudou? Felizmente, a globalização tem nos permitido conviver com a heterogeneidade de pensamentos, e, não raro, nos deparamos com aqueles mais adiantados que os que nos são próprios. Desse modo, somos obrigados a compreender a conveniência de repensar certas ideias monolíticas que ainda carreamos.
Esse modo de viver e de ver as coisas está desaparecendo aos poucos, como a fumaça dos cigarros que tanto nos incomodavam, mas que foram banidos de restaurantes e aeronaves, o que parecia impossível de acontecer! Preconceitos para com classes sociais e políticas, orientação sexual, união homoafetiva, pessoas obesas, estrangeiros, deficientes, idosos, raças – para citar alguns exemplos, devem ser urgentemente expurgados de nosso coração. Absolutamente não estamos defendendo que não possamos ter preferências na vida, é natural que as tenhamos. Contudo, como cristãos, devemos estar atentos aos relacionamentos, a fim de vigiar e não permitir que cedamos à intolerância, à indisposição ao convívio, à discriminação que humilha e que fere sentimentos alheios.
De fato, orgulho e preconceito se alimentam mutuamente, sendo que, como espíritas, sabemos que faz parte do nosso progresso espiritual combater egoísmo, vaidade e orgulho. Podemos então concluir que a Doutrina Espírita, com seus fundamentos lógicos e consoladores, pode nos ajudar intensamente nesta luta íntima, pelos esclarecimentos que oferece. Na batalha contra o preconceito, não devemos nos esquecer de considerar certas disposições reencarnatórias, que determinam que o espírito encarnado se submeta, por exemplo, à pobreza, ao aleijão, à determinada cor da pele e à mudança de sexo – sendo esse determinado não pelo espírito, mas pelo corpo que ele recebe, conforme nos esclarecem os Espíritos Superiores nas questões 200 a 202 de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec. Portanto, sob a ótica da imortalidade da alma e da evolução do espírito, a nossa percepção das pessoas precisa se tornar mais compreensiva e caridosa. A despeito de que nós também somos vítimas de preconceitos, desde que não agradamos a todos, recordemos que o desafio não é transformar os outros, mas a nós mesmos. Por conhecer a fundo as dificuldades evolutivas da humanidade, no que tange às inconveniências do nosso “tribunal ambulante”, o Cristo nos legou como alerta a seguinte pergunta, como parte do Sermão do Monte: “E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho?” (Mateus 7:3). A trave – representação de um grande cisco, que não distinguimos com facilidade, é que deve ser alvo de nossas preocupações.
Como podemos agir, então? Bem, uma vez reconhecido o preconceito enraizado, ninguém senão o próprio portador é capaz de debelá-lo, ou pelo menos amenizá-lo. Como metas, deixemos de lado comentários maldosos, olhares recriminadores, galhofas, impaciência e gestos de antipatia – vai levar tempo e esforço transformativo, é verdade! Entretanto, como está dito naquela bem-aventurança, “os puros verão a Deus” (Mateus 5:8), isto é, a recompensa pelo empenho no aperfeiçoamento moral da alma – conquista da pureza – é a compreensão cada vez mais cristalina do Criador. Ademais, conviver com preconceituosos é desagradável, então que não sejamos nós esses tais, para que as pessoas sintam-se livres e prazerosas por estarem em nossa companhia.